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sexta-feira, fevereiro 24, 2006

23, quinta – Gente da área rural. Solidariedade, Valentia, Trabalho, Respeito, Responsabilidade.

Uma grande riqueza que desaparece aos poucos, mas velozmente.
Esta é uma conclusão pessoal, minha, após dois anos de estrada com o Projeto Força Interior.

Eu considerava êxodo rural apenas os casos de pessoas que abandonavam as pequenas cidades do distante interior trocando-as pelas grandes capitais ou grandes cidades. É muito mais sério que isso. O triste fenômeno acontece também dentro de pequenos municípios, citando Buri-SP como exemplo, por conhecermos um pouco mais dessa realidade, neste período de nossa estada com o Projeto Força Interior.

O êxodo rural tem que ter uma solução, um freio. Urgente. As conseqüências negativas disso são visíveis, e crescentes, há décadas. Sub-empregos, sonhos frustrados, desemprego, fome, moradores de rua, movimentos dos sem-teto e sem-terra, violência, furtos e roubos individuais, organizações criminosas, exploração, extorsão, drogas, seqüestros, mortes violentas. É insuficiente a Reforma Agrária. É insuficiente a política de seguro e de preços para as safras. Falta entender melhor por quê decidem abandonar suas moradas. Passam a “morar” em sub-moradias, com a família, passam dificuldades enormes, conformam-se em morar num barraco, desde que seja perto do pequeno centro. Essa “facilidade” tem por trás, o triste interesse em poder recolher papelão, latinhas de alumínio e garrafas pet na avenida, lanchonete e praça principal. E também fica mais fácil recorrer às cestas básicas da prefeitura, ao serviço de assistência social, instituições filantrópicas, instituições religiosas etc. E também fica mais fácil conseguir um emprego temporário na varrição de ruas, ou de entrar num ônibus de trabalhadores rurais (bóia-fria) e partir para uma fazenda qualquer, numa cidade qualquer, por uma diária qualquer, para um trabalho qualquer.

Hoje dei carona, quando ia à Fazenda Barreiro, para um senhor de 71 anos, Sr. Luís, sitiante, e para uma jovem, Maria, que trabalha como agente de saúde no bairro Matão. Ela disse que já havia assistido a uma palestra minha pela Secretaria da Saúde. Sempre gostamos de conversar com os caronas. Aprendemos muito com todos.

Sr. Luis veio a Buri bem cedo, provavelmente de carona no ônibus escolar, para comprar adubo e agrotóxico para cuidar dos eucaliptos que plantou recentemente. Orgulha-se de cuidar com carinho, retirando mato e erva daninha, garantindo maior produtividade e qualidade no seu pequeno sítio. Diz que a maioria das pessoas que plantam eucalipto, apenas plantam e “largam” a plantação. Mas, o brilho dos olhos desaparece quando fala dos jovens de hoje. Prevê um triste futuro para sua propriedade, por não ter quem queira cuidar como ele cuida. Os jovens de hoje, até vão à escola. Mas querem distância do trabalho do sítio. Ficam grudados na TV, não perdem “Malhação” e sonham ir para uma cidade para viver como aqueles belos e lindos jovens da TV, corpos “sarados”, com belas garotas, e vice e versa. A escola é apenas um local de armação, com os professores sempre ignorados ou ridicularizados. Saem da escola e seguem para lanchonetes, shopping centers, baladas, vídeo games e diversões, sonhando com a fama e dinheiro, muito dinheiro, usando qualquer meio para chegar lá. Qualquer meio! Vale tudo. É o que eu chamo de geração vazia, como uma bola brilhante de árvore de natal. Bonita por fora, completamente vazia por dentro.

Ordenhar vaca? Cortar mato? Carpir? Limpar e tratar de animais? Arar a terra? Plantar? Colher? Debaixo de chuva ou sol?

Os programas mais vistos na TV são aqueles do tal horário nobre (ou pobre?). Alguém já viu alguma novela dignificando o trabalho do sítio e o valor dessas pessoas do mundo rural e agrícola? Não há o menor incentivo a essas pessoas, pelo seu trabalho. A exceção da exceção fica por conta dos belos programas como Globo Rural, que é exibido bem cedo, com pouca audiência ou lá pelas nove horas com a Ana Maria Braga, com muita audiência e qualidade, mas que poucos jovens assistem. Portanto, os jovens da área rural são muito mais influenciados para o conforto, diversão, bela aparência e cuca-fria, principalmente quando são obrigados a deixar a escola rural de ensino básico, e freqüentar as escolas urbanas de ensino médio. Os jovens da zona rural, que ainda preservavam os valores que aprenderam no sítio com a família (respeito, responsabilidade, solidariedade, honestidade, etc), ficam com a cabeça confusa ao encarar uma realidade bem diferente, mas muito predominante. Nessa confusão, juntam-se à maioria. Quando voltam para casa, no sítio, o conflito com os mais velhos é inevitável. Muitos optam por abandonar suas moradas e tomam a direção da cidade onde já têm amigos.

Maria, a Agente Municipal de Saúde, é o oposto de tudo isto, e faz um belo trabalho na área rural. Estuda no centro de Buri à noite, e durante o dia trabalha como Agente de Saúde. Visita mais de 100 famílias todos os meses, percorre longas distâncias. Recorre a caronas, empresta a moto da amiga, vai andando. Calor, frio, chuva, sol, poeira, barro. O que importa é visitar e atender todas as famílias. Quando usa a moto da amiga, paga e divide a gasolina. Adora o que faz. Adora a hospitalidade e simplicidade das pessoas do sítio. Em cada casa, é bem recebida (e aguardada). Gestantes são visitadas com maior freqüência. Mortalidade infantil não tem vez em Matão, com a saga da Maria.
Maria, com esses valores, sempre será uma pessoa rica e também uma exceção.

Os jovens do meio rural precisam receber maior incentivo, ter sua auto-estima elevada, com o reconhecimento da importância do seu trabalho, reconhecimento pela contribuição para a sociedade, mais informações sobre oportunidades no meio rural, mais informações para melhorar o gerenciamento das suas propriedades, até que percebam que é possível ser feliz, ser alguém de sucesso e de respeito, um grande caipira! Os que perceberam isso, já obtiveram êxito em muitos setores do mundo rural e não trocam esse mundo mais saudável do campo pela vida na cidade. É o caso do Sr. Gerard Bannwart com a sua Fazenda Barreiro, modelo de excelência.

E eu, paulistano do asfalto, do concreto, do shopping certer, invejo essa gente. Eu também me acostumei a comprar pronto, rápido, ao invés de fazer, preparar, plantar, cuidar, colher, respeitar, preservar. Ainda bem que eu tenho a Neuza, que tem forte ligação com a terra, com o campo e eu a sigo, aproveitando para observar esse novo mundo para mim.